A Infância na rua 21 de abril
Morávamos no número 162 ou 164 - se não me engano-
bem próximos da esquina com a rua do Ouvidor. Uma pequena mas aconchegante casa
alugada onde moramos até nos mudarmos pra casa da rua do Gás, que o pai
comprou, já por volta de 1960. Assim, nessa casa da rua 21 de abril, morei até
os meus 6-7 anos de idade. Tínhamos como vizinhos de parede - era dessas casas
que ocupavam o terreno todo, todas coladinhas umas nas outras e cuja frente
terminava já na calçada, construções bem típicas da Campos daqueles tempos - 2
senhoras de mais idade que faziam os melhores suspiros que já comi na minha
vida.
A casa seguinte, ainda do mesmo lado da rua, era a
do "seu" Almir (do Bar São Jorge) e da "dona" Naisha (
pronúncia " Naiza" ) , que ali moravam com seus filhos, a Vírgínia, o
Totonho, a Gracinha e o Jorginho, este da minha idade e que era o meu amigão da
rua !
Do outro lado da rua, bem quase em frente
(defronte) à nossa casa, tinha um terreno enorme com 2 casas onde moravam 2
famílias com um " montão" de filhos! Era a " dona" Maria
José e sua " troupe" e, acho, sua irmã e Cia. Dos meninos e meninas
dali dessa turma me lembro bem do Antonio Carlos (o Tonico Pereira), do Jorge, que
eram um pouco mais velhos do que eu e do Valdir, mais da minha idade e de quem me
lembro bem, pois fomos companheiros na equipe de natação do clube Saldanha da
Gama.
Bem, falava que o Jorginho (filho do seu Almir) era
um dos vizinhos e amigão das brincadeiras que eram na rua e - pra desespero das
nossas mães - dentro das nossas casas.
Uma das nossas brincadeira favoritas, dento lá de
casa, era a de " bang-bang", mocinho e bandido - naqueles tempos, não
era nada demais brincar de revolver de espoleta e arco e flecha de brinquedo. E
numa das " batalhas " travadas entre os índios ( eu, era o índio, por
razões óbvias , dado os meus cabelos negros e a pele bem morena ....um
indiozinho " perfeito" ...) e os brancos ( o meu irmão, o Dozinho e o
Jorginho eram os " cara-pálidas ) , eu me escondi, escalando o corredor
estreito que ligava a sala de jantar à cozinha, me posicionando bem no alto,
colado , praticamente , no teto - Deus me livre se a mãe chegasse e me visse
ali - apoiando as pernas nas paredes do corredor . Verdadeiro malabarismo. E
quando o Jorginho passou por baixo, sem me ver, eu acertei uma flechada na sua
careca - ele cortava o cabelo, " máquina zero", lembram disso? "
Pimba"...! Claro que não o machuquei, a pressão das flechadas não eram tão
fortes e, claro, tinha uma borracha na ponta que fazia com que a flecha
grudasse na superfície atingida. Já viram o susto que ele, o Jorginho tomou!!
E fim de brincadeira, correria pra lá e pra cá e
acho que a mãe chegou, lá de trás da casa e botou todos pra fora!
Não sei se foi neste mesmo dia, mais tarde ou num outro, que por alguma razão eu e o Jorginho - imaginem os 2 grandes amigos -nos embolamos numa briga de rua, em frente à nossa casa. Que coisa!!! Logo nós dois! Eu, por ser um pouco mais encorpado que o Jorginho (pra não dizer mais gordinho) o derrubei e subi em cima da barriga dele, pra tentar imobilizá-lo (acho) e " parecendo" que estaria ganhando a briga. Mas ele, de pronto, mesmo deitado e com uma cara bem enfezada, me acertou um belo soco no queixo ( não foi muito forte, nem doeu muito....rsrs) e ....a briga terminou ali , com um veredito , dado pela cara dos demais que assistiam , de empate! Claro, eu o derrubei: ponto pra mim; ele me acertou um belo direto no queixo: ponto pra ele. Fim de briga. Empate. Saímos dali, abraçados com certeza e nunca mais tivemos qualquer briga! Coisas de meninos!
O “seu” Almir do Bar São Jorge
O “seu” Almir Ferreira era muito
amigo do meu pai. Eram ambos comerciantes em Campos (o pai, “seu“ Godofredo
Cruz Júnior – isso mesmo, o nome do estádio do Americano Futebol Clube, o “
Glorioso” , tinha seu nome, estádio Godofredo Cruz, em homenagem ao meu
avô- era um dos sócios da Casa Eletra
Ltda., uma das mais antigas e tradicionais lojas de material elétrico da
cidade) e creio que desde jovens já
andavam ...e voavam juntos. Seu Almir, sócio do Bar São Jorge, era piloto
privado e tinha como um dos seus hobbies, voar! E o pai sempre nos contava que
eles faziam incríveis passeios sobre a região de Campos, a bordo de um
“Paulistinha” (monomotor de instrução e treinamento) do aeroclube de Campos. O pai nos levava de vez em quando ao
aeroclube pra ver o amigo voar. E numa dessas vezes – eu também, desde pequeno
demonstrava interesse pela aviação- pedi ao pai pra voar com seu Almir. Eu
devia ter, acho, no máximo uns 10 anos. E o meu pai deixou e lá fui eu, todo bobo,
a bordo do Paulistinha, voar com seu Almir, com um misto de medo e emoção. O
carona, nestes casos, sempre senta na parte da frente – o Paulistinha,
monomotor a hélice, de 2 lugares, um assento na frente e outro atrás, com
controles bem simples- e lá estava eu, na cabeceira da pista, no banco da
frente vendo e ouvindo aquele motor barulhento à minha frente. Seu Almir, ao
fazer o “checklist” do motor e controles, ia me explicando cada comando do
avião. Lá estava eu, aos 10 anos, tendo a minha primeira aula de piloto amador,
todo interessado. “Aqui é a alavanca do acelerador”, falava, me mostrando a
pequena alavanca, ao lado esquerdo do “cockpit”, na altura da janela e
empurrando-a toda à frente, testando a rotação do motor ao seu máximo – claro,
segurando o avião no freio para que não se movesse; “ ...este é o manche (uma alavanca grande que saía do chão à
frente de cada ocupante) que é a direção, equivalente ao volante de um
carro” explicava pacientemente ...” se você o move para si, puxando-o , o avião sobe” ,
me explicava e mostrava qual a superfície de controle aquele controle
comandava , apontando pra cauda da aeronave, para eu ver o profundor se
movimentando pra cima ...., “ se você o move pra frente , o avião desce “ e me mostrava o profundor se movimentando no
sentido oposto ao movimento anterior;” para fazer o avião fazer uma curva à
direita, você “joga” o manche pra direita e , ao mesmo tempo, aciona o pedal
direito” e me mostrava onde estava o tal pedal embaixo, ao alcance dos pés ( de
um adulto) ...e me mostrava quais superfícies de controle aqueles comandos
acionavam , me apontando o leme de direção – que virava pra direita ou esquerda
ao se inclinar o manche naqueles sentidos – e os “flaps” nas asas, que se
moviam pra cima e pra baixo, de acordo com o pedal acionado – ou era ao contrário,
o manche movimentando os “flaps” e os pedais o leme de direção, tenho que
voltar a estudar isso. Incrível, eu estava tendo, realmente, uma verdadeira
aula de como se pilotar um Paulistinha, aos 10 anos, com seu Almir e que jamais
esqueci as lições aprendidas (muito tempo depois, já morando em Florianópolis,
aos 24 anos, eu comecei a fazer um curso de piloto privado, onde tive essa aula
e ...foi exatamente como o seu Almir tinha me ensinado. Eu “já sabia” tudo!)
Como foi emocionante! ”Check” feito,
seu Almir começa a levar o avião vagarosamente pro início da pista, para
decolarmos....e lá fomos nós, rolando cada vez mais rápido sobre aquela curta
pista e ...decolamos, que emoção !
Lembro-me como se fosse hoje, aquela
sensação do meu primeiro voo. O medinho, que por breves momentos senti, se
foram, à medida que ganhávamos altura e o avião imbicava em direção ao centro
da cidade (o aeroporto de Campos, como todos sabem, fica ali, no outro lado do
rio e naquele dia, decolamos no sentido norte), fazendo a nossa primeira curva!
Quem, por ventura, já teve o prazer de voar um avião desses, sabe das sensações
que tento descrever – e aí me vem também, claro, as lembranças mais recentes,
do curso que fiz, já adulto. O avião é muito simples, e a cada curva, tanto o
piloto como o passageiro (ou outro piloto) da frente, devem ajudar, inclinando
também seu corpo, tipo que se faz ao se fazer curvas com motocicletas. O avião
é muito sensível aos controles – tem horas que se tem a sensação que vai virar ...
mas não vira mesmo. ... este avião de instrução foi projetado pra, por mais
“besteira” e erros que o piloto faça nas curvas, ele se estabiliza, “não deixa
o piloto virar o avião ... claro, esses detalhes, aprendi no curso que fiz já
adulto, mas as sensações pelas quais passei, já as tinha sentido todas, naquele
voo com seu Almir ...!
Fizemos um belo passeio sobre a
região da cidade e cerca de meia hora depois estávamos de volta ao aeroclube,
fazendo uma aterrissagem tranquila.
Detalhe “pitoresco” desta minha
aventura: anos mais tarde, o pai me confidenciava que seu Almir era, algumas
vezes, um pouco “barbeiro”, melhor dizendo “ distraído”, pilotando – embora o pai confiasse plenamente
na sua competência (tanto que voavam frequentemente juntos e chegou a confiar o
seu filho aos seus cuidados naquele dia do meu voo) - e que já havia arrancado
algumas cercas que ficavam perto da pista, em decolagens e/ou aterrissagens um
pouco “ atrapalhadas” .
Mas isto era apenas um pequeno
detalhe...!
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Revendo outros escritos meus, achei
um caderno bem grosso, estilo livro, no qual comecei a escrever o que chamei de
“ Minhas Memórias à Mão” , pois todo escrito `a mão mesmo com uma bela caneta
tinteiro Parker que tenho há tempos e adoro escrever com ela. E relendo o que
já havia escrito- comecei já há algum tempo, não sei precisar quando- começando
desde o meu nascimento e contando tudo que venho me lembrando da minha vida, as
passagens que acho interessante documentar, achei : claro lá estavam minhas lembranças da rua 21
de abril. E revendo o que escrevi, sobre o “episódio” da flechada na careca do
Jorginho, vi que documentei que a “arma” que usei não foi um arco e flecha como
contei aqui antes e sim aquela maravilhosa “metralhadora de mão” que, acho,
todo garoto, classe média, da nossa época teve, a famosa “ Pim-Pam-Pu” ,da
Estrela, ( era este o nome não era ? ). Bem que eu estava desconfiado que “como
teria eu manejado um arco e flecha, pendurado, quase no teto, com as pernas de
cada lado de uma parede?” Taí a
resposta, foi com a minha “Pim-Pam-Pu” de - se não me falha a memória- 6
flechas. Como era gostoso “atirar” com aquele brinquedo. Bem, a careca do
Jorginho que o diga ...com todo o respeito do
saudoso amigo!
Divertíamo-nos, com coisas simples e com
muito pouco e era muito bom !
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A Aventura de ir até à beira do rio
Como morávamos ali pertinho do rio
Paraíba do Sul, uma vez “seu” Almir nos levou (eu, o Jorginho e ...não me
lembro se os demais filhos também foram...creio que tinha mais gente, talvez só
o Antônio, irmão mais velho do Jorginho) para assisti-lo tomar um banho e nadar
no rio. O rio Paraíba do Sul, bem
conhecido nosso, campistas “da gema” que somos, era (e ainda o é) um belo e
majestoso rio. Seu trajeto pelo centro de Campos, bem largo, dividindo a cidade
em dois lados, a cidade em si e “o outro lado do rio, como costumávamos
nos referir ao bairro de Guarus, do outro lado do rio, dá um toque diferente à
cidade, uma beleza que poucas cidades no país têm – na minha opinião. Ele passa
formoso, forte, em alguns pontos com redemoinhos que sempre nos assustava. Águas
barrentas, na maioria do tempo, mas verdes algumas boas vezes, cruzado por –
naquela época- 3 pontes para carros e pedestres e 1 ponte ferroviária. Poucas
cidades, no país tem um rio desse porte cruzando a cidade, desfilando suas
águas ali pertinho da principal praça da cidade – a praça São Salvador- ao
passar pela região central. Palco de memoráveis regatas e algumas competições
de natação – sim, mais tarde, quando já nadava na equipe de natação do C.R.
Saldanha da Gama, participei de alguns treinos e competições no rio. Experiência
inesquecível, nadar naquele rio que para mim, bem criança neste episódio que
conto, com seu Almir, parecia algo inatingível.
Voltando ao meu primeiro passeio à
beira do rio – acho que meus pais nunca souberam disso ...acho – lembro-me como
se fosse hoje, seu Almir nos ensinando como descer a rampa que dava acesso à
beirinha do rio mesmo, da rua, ali, quase em frente ao clube Rio Branco.
“...vocês têm que inclinar o corpo para trás e pisar firme, sem medo...” e lá ia ele à frente nos mostrando como
fazer...e nós o seguíamos, como bons e comportados pupilos.
Depois ficávamos por ali, brincando
em chão firme, enquanto ele dava suas braçadas e boiadas!
Momentos que ficaram na minha
memória...e olhem que eu deveria ter, no máximo, uns 5-6 anos!
Grande seu Almir!
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